Dando uma pausa em nossa extensa lista de leis absurdas, passamos aos julgados curiosos. Os leitores que visitam regularmente já sabem que destino aqui uma parte do blog para a postagem de julgados curiosos, que por um motivo ou outro me chamam a atenção, quer pela argumentação do juiz, quer pelos motivos que deram razão à ação em si.
Um aviso aos que estão aguardando os comentários sobre a Ação Civil Pública que proibiu o jogo CS de circular: não estou encontrando a sentença na íntegra. Fiz um pedido via email e estou aguardando o resultado. Assim, tenham paciência.
Voltando, esse julgado da 2º Turma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais me chamou muito a atenção. Aliás, a própria ação me chamou a atenção. Vamos a história.
Foi encontrado um defunto no reservatório da concessionária que fornece serviços de água e esgoto para a cidade de Aimorés. O ocorrido se deu no dia 25.09.2004. Duas consumidoras não gostaram nada e ingressaram com ação de indenização.

Segundo o processo, o cadáver em avançado estado de putrefação foi encontrado no reservatório de água do Bairro Igrejinha e as vitimas afirmaram merecer indenização por serem expostas à água de defunto, que acabaram por consumir.

Na defesa, a concessionária alegou não ser responsável por ato de terceiro desconhecido que entrou em sua propriedade sem o seu conhecimento.

O argumento não convenceu o Juiz Luiz Flávio Ferreira da primeira instância, que condenou a concessionária no pagamento de uma indenização por danos morais no valor de R$ 600,00 para cada uma das consumidoras. A concessionária não satisfeita, apelou da sentença, que afinal foi mantida pela 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Segundo o relator, o desembargador Caetano Levi Lopes, a concessionária agiu de maneira omissa diante do fato. De acordo com Levi, a empresa “falhou em cumprir o dever de vigilância sobre o reservatório de água a tal ponto que terceiro arrombou sua tampa e atirou o cadáver no interior do mesmo reservatório”.

A decisão não foi unânime. Um dos desembargadores entendeu não haver dano moral a ser ressarcido pois não houve efetivo dano à saúde das autoras, mas foi voto vencido.

O valor da indenização foi ridículo, já atencipando aqui o que a maioria dos leitores vai pensar e comentar. Entretanto, o remédio escolhido pelas consumidoras também não foi o adequado ao caso. Vejamos: não houve efetivo dano às consumidores, e cá entre nós vários outros consumidores beberam da mesma água e não receberam indenização nenhuma. É um típico caso de interesses difusos! Condenar a concessionária a pagar uma indenização milionária as duas únicas consumidoras que ingressaram na Justiça seria leviano. E os demais consumidores que beberam a água e não entraram na Justiça?

Era o caso para uma ação coletiva, e não indenização singular. Ainda, a concessionária deveria sim ser punida exemplarmente, mas isso a pedido do Ministério Público, que segundo o processo apenas limitou-se a firmar termo de compromisso:

- Olha encontramos um defunto no reservatório. Tome mais cuidado!

- Tá bom senhor doutor.... eu assino um documento.

Pronto! Te parece certo?

No final das contas foi uma sucessão de erros! Errou o MP ao fazer acordo com a concessionária sem lhe impor uma pesada multa pela negligência. Errou o juiz de primeira instância a indenizar a consumidora em apenas R$ 600,00. Erraram as consumidoras ao entrarem com o remédio jurídico errado.

Resumo da ópera: em uma sucessão de erros, quem errou menos foram as consumidoras, que no final das contas apenas assinaram uma procuração ad judicia dada pelo "doutor advogado". Então, que a indenização fosse mais "substancial", já que foi a única pena que EFETIVAMENTE a concessionária recebeu!.

Vejam o acordão na íntegra. Se tiverem paciência leiam o voto vencido, do Desembargador Roney de Oliveira.

Número do processo:
1.0011.07.017699-2/001(1)

Relator: CAETANO LEVI LOPES
Relator do Acordão: CAETANO LEVI LOPES
Data do Julgamento: 11/12/2007
Data da Publicação: 15/01/2008
Inteiro Teor:

EMENTA: Apelação cível. Ação de indenização. Fornecimento de água. Relação de consumo. Cadáver em decomposição em reservatório. Falta de vigilância. Responsabilidade civil objetiva caracterizada. Valor da indenização do dano moral. Critérios. Arbitramento correto. Recurso não provido. 1. A responsabilidade civil, no caso de relação de consumo, rege-se pela teoria objetiva ou do risco. 2. O fornecimento de água por autarquia municipal à
população constitui relação de consumo prevista nos artigos 2º e 3º da Lei nº 8.078, de 1990, tendo pertinência a mencionada teoria objetiva. 3. A falta de vigilância da autarquia municipal fornecedora de água e caracterizada pela
sinistra descoberta de um cadáver humano em adiantada decomposição num reservatório constitui evento danoso. E o consumo da água contaminada representa inequívoco dano moral a ser compensado por indenização. 4. Atendidos os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade, confirma-se o arbitramento do valor da reparação pelo dano moral que os consumidores sofreram. 5. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que acolheu em parte a pretensão inicial.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0011.07.017699-2/001 - COMARCA DE AIMORÉS - APELANTE(S): SAAE SERV AUTONOMO AGUA ESGOTO - APELADO(A)(S): CLÁUDIA LEMOS DE OLIVEIRA E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. CAETANO LEVI LOPES
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM NEGAR PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.
Belo Horizonte, 11 de dezembro de 2007.

DES. CAETANO LEVI LOPES - Relator
O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES:
VOTO
Conheço do recurso porque presentes os requisitos de sua admissibilidade.
As apeladas Cláudia Lemos de Oliveira e Kely Cristina Lemos de Oliveira aforaram a presente ação de indenização por danos morais contra o recorrente. Afirmaram que são consumidoras de água fornecida pelo apelante e, no dia 25.09.2004, foi encontrado o cadáver de João Carlos Miranda Barbosa, em adiantado estado de putrefação, no reservatório de água do Bairro Igrejinha. Asseveraram que foram vítimas de vários constrangimentos porque estavam consumindo o que denominaram como sendo "água de defunto", por culpa exclusiva do apelante. Este negou ser responsável pelo evento, atribuindo-o a terceiro não identificado e questionando o valor pretendido. Pela r. sentença de ff. 48/53, a pretensão foi em parte acolhida e a indenização arbitrada no valor individual de R$600,00.
A vexata quaestio consiste em verificar se é devida a indenização e se está correto o valor arbitrado.

Passo à análise da prova.

As recorridas juntaram, com a petição inicial, diversos documentos. Destaco, boletim de ocorrência noticiando o encontro do cadáver (ff. 10/11); relatório do corpo de bombeiros (ff. 12/13); termo de ajustamento de conduta firmado entre o Ministério Público e o apelante, onde este se comprometeu a aumentar a segurança em seus reservatórios de água (ff. 14/15) e cópia do relatório sobre os procedimentos adotados, pelo recorrente, sobre o fato ocorrido (ff. 16/17). Estes os fatos.

Em relação ao direito, como é de geral conhecimento, o Brasil adotou como regra, em matéria de responsabilidade civil, a teoria subjetiva ou da culpa em que a vítima deve provar a existência de uma conduta antijurídica do agente (eventus damni), uma lesão efetiva (dano) e a relação de causa e efeito entre uma e outra (nexo causal).
Em caráter excepcional, como no caso de relação de consumo, foi adotada a teoria objetiva ou do risco (artigos 12, 13 e 14 da Lei nº 8.078, de 1990).

Caio Mário da Silva Pereira, na obra Responsabilidade civil, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, após lição sobre a evolução do instituto, esclarece na p. 269:

A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro) assenta na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável.

Sobre o tema decidiu o egrégio 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo:
Na ação de ressarcimento com fundamento na responsabilidade objetiva prevista no art. 107 da Carta Magna (atual art. 37, § 6º) basta ao autor a demonstração do nexo etiológico entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) imputável à Administração Pública e o dano de que se queixa. Presumida a culpa do agente, opera-se a inversão do ônus probatório com vistas à eventual exclusão de responsabilidade, cabendo, por isso, à entidade pública provar que o evento danoso ocorreu por culpa exclusiva da vítima. (Ac. na Ap. sem número, 2ª Câmara Cível, rel. Juiz Álvaro Lazzarini, j. em 27.10.82, transcrita por Rui Stoco, in Tratado de responsabilidade civil, 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 757).

Enfim, a teoria objetiva ou do risco exige, tão-somente, que a vítima prove a ocorrência de uma conduta antijurídica por parte do agente e o dano causado. Cumpre a este convencer o julgador acerca da existência de causa legal de exclusão da ilicitude ou de culpa da vítima, concorrente ou exclusiva, para eliminar ou atenuar a responsabilidade pela reparação civil.

Por outro norte, é importante verificar se existe mesmo relação de consumo na espécie em exame.
Sabe-se que o conceito de relação de consumo tem base exclusivamente econômica. A relação existe quando a aquisição do produto ou serviço é feita por destinatário final dos mesmos, conforme esclarecem Ada Pellegrini Grinover et alii, no Código brasileiro de defesa do consumidor, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 24:
Conceito de consumidor. Consoante já salientado, o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em conta consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial.

Ora, sem dúvida, as apeladas são destinatárias finais da água fornecida pelo apelante. E este é pessoa jurídica fornecedora da água consumida pela população, enquadrando-se, portanto, no conceito contido no art. 3º da Lei nº 8.078, de 1990.

Aqui, o evento danoso, ou seja, a conduta antijurídica potencialmente lesiva, por omissão, perpetrada pelo apelante, é evidente porque ele falhou em cumprir o dever de vigilância sobre o reservatório de água a tal ponto que terceiro arrombou sua tampa e atirou o cadáver no interior do mesmo reservatório.
Resta examinar se o dano moral está presente.

Sempre é oportuno relembrar o conceito de dano moral. Pontes de Miranda, no Tratado de direito privado, 3. ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, vol. XXVI, p. 30, assim o conceitua:
Conceito. Dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do ofendido; dano não patrimonial é o que, só atingindo o devedor como ser humano, não lhe atinge o patrimônio. A expressão 'dano moral' tem concorrido para graves confusões; bem como a expressão alemã Schmerzengeld (dinheiro de dor). Às vezes, os escritores e juízes dissertadores empregam a expressão 'dano moral' em sentido amplíssimo (dano à normalidade da vida de relação, dano moral estrito, que é o dano à reputação, o dano por depressão ou exaltação psíquica ou nêurica, dano que não é qualquer dos anteriores mas também não ofende o patrimônio, como o de dor sofrida, o de destruição de bem sem qualquer valor patrimonial ou de valor patrimonial ínfimo). Aí, dano moral seria dano não patrimonial. Outros têm como dano moral o dano à normalidade da vida de relação, o dano que faz baixar o moral da pessoa, e o dano à reputação.

Para o sistema jurídico brasileiro, o interesse ou é patrimonial ou é moral. Então, todo não patrimonial pode ser moral. Porém essa distinção, em que o adjetivo moral é empregado e, senso amplíssimo, somente interessa ao direito pré-processual (Código Civil, art. 76; Código de Processo Civil, art. 2º) e não ao direito material da res in iudicium deducta (Tomo V, § 625, 3 e 5).

Aqui, o que nos importaria seria o conceito de dano moral, ao qual, aliás, não se referem as leis brasileiras.
Há de se fazer alguns reparos à transcrição, antes de se prosseguir no raciocínio. Existe evidente erro de revisão no início do conceito, porque a referência deve ser ao credor e não ao devedor. O CPC citado é o de 1939, em vigor à época da edição da obra e, na atualidade, a Constituição da República faz expressa referência ao dano moral.
O Prof. Renato Scognamiglio (Novissimo digesto italiano, 3. ed., Torino, Itália: Unione Tipografico-Editrice Torinese, 1957, vol. V, p. 146, vocábulo 'danno morale') segue a mesma linha conceitual:

Mentre danni morali debbono considerarsi - per venire al punto - quelle che si risolvono al contrario nella lesione di sentimenti, delle affezioni della vittima; e dunque nella sofferenza morale, nel dolore que la persona viene supportar per un certo evento dannoso. Questa è del resto la sfera tradizionalmente riservata al danno morale - nel diritto comune si parlava di pretium doloris; nell'antico diritto tedesco di Schmerzengeld -, questa ancora la razione della sua rilevanza per il diritto, que si referisce alla esigenza di tener conto, in certi casi anche delle sofferenze, dei patemi d'animo, ecc., que la vittima può risentire.

Caio Mário da Silva Pereira não discrepa no plano conceitual e assevera dever abstrair-se do caráter de patrimonialidade. Basta a lesão a um bem jurídico. Seu ensinamento está inserto na obra já citada (Responsabilidade civil, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 53 e seguinte):
Quando opto pela definição do dano como toda ofensa a um bem jurídico, tenho precisamente em vista fugir da restrição à patrimonialidade do prejuízo. Não é raro que uma definição de responsabilidade civil se restrinja à reparabilidade de lesão imposta ao patrimônio da vítima.

E prossegue:
O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de dano moral como 'qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária', e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, as suas afeições etc.

O dano moral, portanto, ocorre quando os aspectos extrapatrimoniais do sujeito de direito são lesados. Aqui, é inquestionável o constrangimento sofrido pelas recorridas. Em outras palavras, o segundo elemento da responsabilidade civil objetiva está presente, o que torna patente a ocorrência do dano moral, e impertinente o inconformismo do apelante, neste aspecto.

Entende o recorrente que o valor arbitrado para a reprimenda é excessivo.
Sabe-se que a quantificação do dano moral, na verdade, é extremamente difícil, pois são imensuráveis a dor, o constrangimento, a mágoa ou a tristeza, enfim, as dores tanto físicas quanto da alma. E, justamente por isto, o aplicador do direito, no Brasil, ainda encontra dificuldades para a fixação dos parâmetros.
Nossos Tribunais deram início à abertura de via para os critérios quando, no IX ENTA - Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, adotaram a seguinte conclusão:

III - Dano moral.

3) Na fixação do dano moral, deverá o juiz, atendo-se ao nexo de causalidade inscrito no art. 1.060 do Código Civil, levar em conta critérios de proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado.
Sopesados os critérios mencionados e tendo em vista que o evento danoso atingiu grande parte da população, tenho que o quantum debeatur arbitrado em primeiro grau de jurisdição é suficiente para compensar as apeladas, sem inviabilizar a continuidade da prestação dos serviços pelo apelante. Logo, também neste aspecto o inconformismo do apelante não merece agasalho.
Com estes fundamentos, nego provimento à apelação.
Sem custas.

O SR. DES. RONEY OLIVEIRA:
VOTO
Conheço do recurso.
Por maiores que sejam o zelo do administrador e a segurança dos reservatórios de água, não há como impedir sua violação, na calada da noite, por envenenadores, suicidas, bêbados ou ocultadores de cadáveres.
Em suas "CONFISSÕES", o sociólogo Darcy Ribeiro rememora episódio de sua infância montes-clarense, oportunidade em que tingiu de azul toda a água que abastecia a cidade, após jogar tabletes de anil (alvejante) no reservatório público.

Não consta que qualquer consumidor do azulado líquido tenha acionado os pais do então menino por danos morais!
Mutatis mutandis, o cadáver encontrado na caixa d'água de Aimorés, ainda que tenha poluído o líquido, não constitui motivo suficiente para que o consumidor da conspurcada água sofra danos morais indenizáveis.
Admiti-los implicaria na própria descaracterização de tais danos imateriais, que alguns preferem denominar "prejuízos morais".

Em sua clássica e primorosa obra "O Dano Moral e sua Reparação", o saudoso Prof. Wilson Melo da Silva (2ª ed. Forense, 1969) conceitua os danos morais como "lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal", assim entendido "o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico" (pág. 13).

E exemplifica, como tais, "os (danos) decorrentes das ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada qual, às crenças íntimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade corporal" (pág. 14).
Beber água poluída, ainda que a poluição decorra de putrefação cadavérica, não configura dano moral ensejador de reparação.

A multiplicação de ações reparatórias, pelo mesmo e inusitado fato, configura, ao revés, abuso do direito de demandar, apesar da sutileza de não se ajuizar, coletivamente, a ação, para que o avantajado valor da reparação não venha a assustar o julgador.

Vulpinamente, preferiu-se a demanda individual ou, como no presente caso, em parceria com duas supostas vítimas, que foram contempladas na sentença, com a diminuta importância, pro rata, de R$ 600,00, o que resulta em R$ 300,00 para cada uma das autoras, ora apeladas.

Aparentemente irrisório, o quantum da reparação pode alcançar estratosféricos valores, se toda a população consumidora da poluída água ingressar em juízo, onde centenas de moradores ingressaram e onde ingressou até mesmo o forasteiro que, de passagem pelo lugar, ingeriu o líquido nada precioso.

Não vejo como condenar o Serviço Autônomo de Água e Esgoto a pagar pela cadavérica poluição, em face da ausência de qualquer responsabilidade, ainda que objetiva, pela inusitada ocorrência, que poderia gerar indenização se, do consumo autarque da água infecta, adviesse alguma doença ao usuário - o que não se comprovou, decorrendo, de tal incomprovação, a inexistência de nexo causal entre o achado (corpo putrefato) e o dever de indenizar pela autarquia, que explora o serviço d'água e é o guardião dos seus reservatórios.

Em suas "Instituições de Direito Civil" (vol. II, 20 ed. Forense), ao dissertar sobre a Teoria Geral das Obrigações, leciona Caio Mário da Silva Pereira (pág. 345):

" (...) é pressuposto essencial da reparação, em regra, a imputabilidade da falta, contratual ou extracontratual, ao agente. A contrario sensu, faltando a imputabilidade, descabe indenização. Se (...) a prestação se impossibilita, não pelo fato do devedor, mas por imposição de acontecimento estranho ao seu poder, extingue-se a obrigação, sem que caiba ao credor ressarcimento".
Leciona, mais (pág. 346):

"Consagrando o nosso direito o princípio da exoneração pela inimputabilidade, enuncia-se, em tese, a irresponsabilidade do devedor pelos prejuízos, quando resultam de caso fortuito ou força maior", conceituando-se esta "como o damnum que é originado do fato de outrem, como a invasão do território".

Apesar de o doutrinador, em sua exemplificação, referir-se à invasão do território de um país por outro, forçoso concluir que o exemplo também se aplica à hipótese de invasão do terreno em que se situa o reservatório d'água em cuja parte interna o invasor se atira ou oculta o alheio cadáver.

Neste, como naqueloutro exemplo, operou-se a "vis maior", a afastar a responsabilidade da autarquia municipal pela reparação, decorrente de um fato, alheio ao agente público ou a preposto seu, mas imposto por "acontecimento estranho ao seu poder".

CONCLUSÃO
Ex positis, pedindo vênia ao em. Relator, dele divirjo para dar provimento à apelação, reformando a sentença e julgando improcedente o pleito reparatório, com inversão dos ônus sucumbenciais.
Custas recursais : nihil (assistência judiciária).

O SR. DES. JARBAS LADEIRA:
VOTO
Este assunto é bastante contradiço neste Tribunal e já tive ocasião de proferir votos, entendendo que a concessionária do serviço de água em Aimorés não se houve com a necessária diligência para evitar um fato lamentável como o presente, em que foi encontrado um cadáver na caixa d'água que abastecia parte da cidade.
Nesta ocasião, reafirmo minha posição, no que peço vênia ao eminente Revisor, para também negar provimento.

SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0011.07.017699-2/001