Prezado causídico, tenho 40 anos de imprensa, rádio, jornal e Tv, e atualmente sou diretor e redator chefe do site de noticias e temos tido um problema que é o seguinte:

Em uma cidade da Ba, no mes de janeiro registrou-se mais de 15 mortes em duas semanas, e quando fotografávamos os corpos em vias publicas, valetas e matagais, as familias ameçavam nos processar, isto pelo fato de as mortes serem por tráfico de drogas, e todos os mortos são maiores de idade com passagens pela policia, são fotos públicas, para denuncias às autoridades, onde poderemos achar respaldo para continuarmos a fazer nosso trabalho?

Pois estamos sendo vitimas de uma censura como nunca vimos. Por favor nos indique onde encontrar jurisprudencia, lei ou algo que nos propoicie defesa imediata.Obrigado, no nosso site publicamos uma nota do jurisconsulto sobre a MP 415.


Prezado Leitor,

Primeiramente vamos elencar todos os dispositivos aplicáveis ao caso.
Da CF/88 temos os seguintes dispositivos:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.§ 1º. Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no artigo 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º. É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.


Da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948:

Art. 19 "Todos têm o direito à liberdade de opinião e de expressão; este direito inclui a liberdade de sustentar opiniões sem interferência e procurar, receber e transmitir informações e idéias mediante quaisquer meios e independentemente de fronteiras".

Além, é claro, dos dispositivos constantes da Lei de Imprensa,
Lei 5250/67.

Agora vamos ao seu caso em particular. Você tem o direito de fotografar um acontecimento. É um direito constitucional e ainda está previsto na Lei de Imprensa. Se tratam de fotos tiradas em locais públicos e portanto não é necessária a permissão de quem quer que seja, sendo exercício regular de direito.

Quanto a publicação, ai é necessário um certo cuidado. Apesar da liberdade de expressão e imprensa estarem previstos no artigo 5º e 220 da Constituição Federal, os abusos podem causar dano à imagem, que também é protegida constitucionalmente. Assim, a publicação deverá ser feita de modo a não imputar a ninguém fato ou investigação ainda não terminada. Falsas imputações poderão gerar uma indenização futura.

Explico: pode ser que nada seja efetivamente provado contra o defunto fotografado. Pode ser que a polícia se abstenha de fazer a investigação quanto as mortes e que nada seja comprovado. Daí colega, a família terá legitimidade para ingressar com processo de indenização sim, por danos à imagem do defunto que foi vinculado a um crime ou a uma situação que por ventura possa ter lhe causado algum dano moral.

Então é necessário agir com extrema cautela. Você pode veicular a foto e dizer por exemplo "a polícia está investigando a ligação das mortes com o tráfico de entorpecentes", mas você pode ter problemas se disser "as mortes tem ligação com o tráfico de entorpecentes".

Cuidado com as afirmações. Não afirme nada que não tenha sido efetivamente apurado pela polícia local. Fale sempre em indícios, sempre colocando tudo em tom de "ainda deve ser apurado". Não emita juízo de valor. Narre os fatos tais como aconteceram e se não tem certeza de como aconteceram, apenas narre os fatos e condicione a sua averiguação à atividade investigativa da polícia.


Citar a "capivara" dos defuntos... não aconselho, a não ser que consiga fazer de tal modo que não deixe implícito que sua ficha criminal tenha algo a ver com os fatos agora ocorridos. Citar que já foram condenados criminalmente tudo bem, mas utilizar este fato para implicar que as mortes possam ter ocorrido por esse ou por aquele motivo não é aconselhável: "Fulano já cumpriu pena por tráfico, então tudo indica que sua morte também ocorreu pelo mesmo motivo" - CUIDADO! essa é uma atitude que pode vir a ser considerada negligente por algum Tribunal.
Faça sempre a pergunta: essa informação é necessária para narrar os fatos? Se não, é melhor não se arriscar.

Você não explicou de onde estão partindo as ameaças e como isso por ventura está atrapalhando o seu trabalho. Se forem ameaças dos familiares de ingressar com alguma medida judicial, não se intimide. A cobertura jornalística dos fatos é exercício regular de direito constitucional. Sua profissão é devidamente normatizada e reconhecida e portanto não há o que temer. Se alguém estiver partindo para a ofensa física, peça ajuda policial.

Se as ameaças provém de algum órgão público você poderá impetrar HC preventivo ou MS preventivo, de acordo com o caso concreto, para fazer valer o seu direito.

Se o receio é quanto a publicação efetiva das fotos, apenas tome as cautelas já expostas que você não terá problema. Aqui estão alguns julgados acerca da necessidade de cautela, e ainda, da não intervenção do judiciário se a cautela for tomada:

80071245 – CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – DANO MORAL – LEI DE IMPRENSA – PUBLICAÇÃO DE MATÉRIA JORNALÍSTICA OFENSIVA – LIBERDADE DE EXPRESSÃO (CF ART. 5º IV) – LIMITES CONFLITANTES COM A PROTEÇÃO À HONRA E A IMAGEM DA PESSOA (CF ART. 5º X) CARACTERIZAÇÃO DO DANO-FIXAÇÃO DO DANO COMPATÍVEL COM OS PARÂMETROS DAS CORTES SUPERIORES-RECURSO DESPROVIDO – 1. A Constituição Federal restringiu o poder da
imprensa nos limites ditados por seu próprio corpo. Isto quer dizer que de fato é dever da imprensa informar, mas baseada em fatos concretos, que não desrespeitem a honra e a imagem do indivíduo. Vale dizer, a proteção constitucional à liberdade de expressão (CF art. 5º IV) encontra limites a outro princípio protetivo inserto em seu texto, qual seja, o da dignidade humana a honra e a imagem das pessoas (CF art. 5º X). 2. Prestigia-se a fixação do quantum indenizatório se coerente com os padrões adotados pelos tribunais superiores. 3- Recurso desprovido. (TJES – AC 011980139411 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon – J. 02.03.2004) JCF.5 JCF.5.IV JCF.5.X ]


128009604 – CONSTITUCIONAL E CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – NOTÍCIA PUBLICADA EM CRÔNICA POLICIAL SOBRE O APELADO – VERIFICADO QUE O APELANTE EXCEDEU OS LIMITES DA INFORMAÇÃO DOS FATOS AO EMITIR UM JUÍZO DE VALOR DE CUNHO NEGATIVO ACERCA DO RECORRIDO – INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA (ART. 5º, XVI, E 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL), BEM COMO À LEI 5.250/67 (LEI DE IMPRENSA) – TESTIFICADO QUE O VALOR INDENIZATÓRIO FIXADO NA PRIMEIRA INSTÂNCIA FOI EXCESSIVO EM RAZÃO DA NATUREZA LEVE DA LESÃO – VALOR DA INDENIZAÇÃO FIXADO EM R$ 10.000, 00 (DEZ MIL REAIS) – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO – I) - Verificado que a notícia publicada sobre o Apelado excedeu os limites da liberdade de imprensa, compendiada no art. 5º, XIV, e no art. 220 da Lei Maior, bem como na Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa), ao ultrapassar a narrativa objetiva do fato, emitindo um juízo de valor acerca da conduta do Recorrido, atribuindo-lhe um conceito social negativo, está caracterizada a ocorrência de dano moral. Noutro passo,afigura-se excessivo o valor indenizatório arbitrado no juízo singular, em razão da natureza leve do dano sofrido pelo Recorrido, posto que na fixação do quantum indenizatório devem ser consideradas tanto as condições pessoais do agente
causador do dano como as de quem o sofreu. II) - Indiscrepantemente, deu-se provimento parcial ao recurso. (TJPE – AC 92001-2 – Rel. Des. Siqueira Campos – DJPE 30.10.2003) JCF.5 JCF.5.XVI JCF.220

134063936 – DANO MORAL – LEI DE IMPRENSA – DECADÊNCIA – ARTIGO 56 DA LEI 5.250/67-0 0 INAPLICABILIDADE – NOTÍCIA VEICULADA EM JORNAL BASEADA EM OCORRÊNCIA JUDICIAL – NÃO-CARATERIZAÇÃO QUANDO A DIVULGAÇÃO SE FAZ DE FORMA CORRETA, SEM EXCESSOS – A Constituição Federal, ao estabelecer a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano moral (art. 5º, X), não recepcionou da denominada Lei de Imprensa o prazo decadencial estabelecido pelo seu artigo. - Não resulta em direito de indenização por danos morais a publicação de matéria jornalística dando informação sobre andamento de feito judicial, não sujeito ao segredo de justiça, quando parte de informação correta, sem excessos ou acréscimos a macular a boa fama do autor. (TAMG – AP 0374906-0 – (64276) – Belo Horizonte – 6ª C.Cív. – Rel. Juiz Dídimo Inocêncio de Paula – J. 05.12.2002)

134057731 – RESPONSABILIDADE CIVIL – LEI DE IMPRENSA – EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO E INFORMAÇÃO – FALTA DE PROVA DE DOLO OU CULPA – ANIMUS DIFFAMANDI – AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR – Não cabe indenização quando o direito de informação é exercido de forma regular, sem abuso, no exercício regular do direito assegurado pela constituição que garante ainda à imprensa a liberdade de manifestação do pensamento, sem excessos que configure ofensa à honra ou à intimidade das pessoas, principalmente por divulgar matéria de interesse coletivo, extraída de julgamento público de processo judicial sem o ânimo de difamar ou caluniar quem quer que seja e sem qualquer caráter pejorativo na divulgação dos fatos, que possa caracterizar algum dano moral, passível de indenização. (TAMG – AP 0348912-5 – (57412) – Congonhas – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Duarte de Paula – J. 06.02.2002)

16144379 – PENAL E PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME DE IMPRENSA – CRÍTICA E OFENSA – LIBERDADE DE IMPRENSA – AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA (ART. 648, INCISO I DO CPP) – I – Observações críticas, ainda que irritantes, nos limites da divulgação da situação fática, não configuram, de per si, crime de imprensa (art. 27, inciso VIII da Lei de Imprensa). II – Não se pode alçar à condição de ilícito penal aquilo que somente é desejado pela especial susceptibilidade da pessoa atingida e nem se deve confundir ofensa à honra, que exige dolo e propósito de ofender, com crítica jornalística objetiva, limitada ao animus criticandi ou ao animus narrandi, tudo isto, sob pena de cercear-se a indispensável atividade da imprensa. III – "A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ou ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como um meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada. " (DENNIS LLOYD). Writ concedido, trancando-se a ação penal. (STJ – HC – 16982 – RJ – 5ª T. – Rel. Min. Felix Fischer – DJU 29.10.2001 – p. 00229) JCPP.648 JCPP.648.I

No mais, aconselho ter um advogado para que preste assessoria preventiva. Todos os bons veículos de informação já perceberam esta necessidade e para evitar problemas futuros sempre consultam um especialista no assunto antes de publicar uma matéria mais polêmica.

Espero ter ajudado. Adianto que esta consulta, bem como todas as feitas através do site serão postadas ocultando o nome dos envolvidos e o endereço de email, para ajudar pessoas que por ventura estejam passando pelo mesmo problema.