Muito me preocupa a linha de atuação que vem tomando os integrantes do Judiciário, Executivo e do Ministério Público. Para um país que prima pela não intervenção do Estado na atividade econômica particular, estamos constatando verdadeiros atentados aos dispositivos constitucionais.

Primeiro foi a decisão judicial que proibiu a comercialização dos jogos CS e Everquest a pedido do Ministério Público seguida de outra atuação patética do Parquet no caso do Rei Momo magro no carnaval de Salvador. Agora, a edição da Medida Provisória 415/2008, que proíbe a venda de bebidas alcoólicas em estabelecimentos localizados nas rodovias federais.

A Medida Provisória 415/2008 me chamou a atenção por diversos fatores, ou melhor, falhas na sua edição.

Primeiramente devemos nos ater ao tipo de norma a qual nos referimos. Trata-se de uma Medida Provisória, que como o nome mesmo sugere, é uma norma provisória que constitucionalmente somente poderá ser editada se presentes algumas condições. O artigo 62 da CF diz: “em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submete-las de imediato ao Congresso Nacional.”

Eu pergunto aos leitores, onde estão a relevância e a urgência no caso da MP 415/2008? O que torna a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estabelecimentos localizados nas BRs tão relevante e urgente a ponto de dispensar o devido processo legislativo?

A ordem econômica brasileira é fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, observando entre outros o princípio da livre concorrência. O parágrafo único do artigo 170 da Constituição Federal assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Qual é então a explicação para uma medida Provisória que fere tantos princípios constitucionais ao mesmo tempo? Segundo o pelotão de apoio do Governo e argumentação da AGU nos recursos que resultaram na derrubada de algumas liminares que suspendia a proibição, estudos dizem que mais de 88% das vítimas mortais dos acidentes de trânsito apresentavam álcool no sangue.

O que a AGU e o bloco governista esqueceram de contar é que o estudo citado foi realizado na cidade do Rio de Janeiro e nele não consta nenhum dado referente à localidade onde ocorreram os acidentes, e ainda, os “cadáveres” não foram consultados a respeito de ONDE e em QUE TIPO DE ESTABELECIMENTO eles compraram a bebida ingerida.


Caso os leitores tenham tempo e disposição, leiam a metodologia do estudo AQUI. Constatem que a amostra em estudo foi constituída pelo universo de 2.131 prontuários, referentes a todas as mortes ocorridas no Rio de Janeiro, registradas pelo IML, no período de dezembro de 2001 a fevereiro de 2002. Desse total foram selecionadas 267 vítimas fatais de trânsito, isto é, 12% de todas as mortes ocorridas no período.

Não existe qualquer dado relativo ao local da ingestão da bebida, isso porque meus caros leitores, se trata de estudo sobre amostra de prontuários de vítimas MORTAS. Seria complicado perguntar ao falecido onde foi que ele ingeriu a “birita” antes de morrer! Ainda, a maioria das mortes são por atropelamento, conforme dados da tabela 4. Ou seja, o indivíduo bebeu e foi atravessar a rua! O que os motoristas tem com isso? Tratam-se de acidentes em "via pública", não havendo indicativos de se ocorreram em Rodovias ou nas ruas da cidade.

Apenas me dei ao trabalho de postar aqui as tabelas e indicar o link para a íntegra do estudo porque TUDO deve ser contestado até ser comprovado. Não comprem idéias vomitadas por nossos governantes ou pelos meios de comunicação. Se a internet tem alguma utilidade realmente relevante, que não bater papos e ler sobre os novos competidores do BBB, é nos proporcionar acesso a informações a que antes dificilmente teríamos.

O que mais vemos na internet hoje em dia é “ouvi falar”, “estudos comprovam”, etc . Ao escutar algo sobre um estudo ou estudos, estatísticas, NÃO COMPRE A IDÉIA sem antes confirmar as informações.

Como o estudo se refere a acidentes fatais com vítimas que apresentavam álcool no sangue, quando muito serviria para justificar uma medida que pretendesse proibir a venda de bebidas alcoólicas e isto somente no âmbito da cidade do Rio de Janeiro, o que duvido que aconteça. O que não se pode admitir é que o estudo em tela seja utilizado para edição de uma MP que fere os princípios de livre iniciativa e de liberdade do comércio e amputa estabelecimentos comerciais, tendo como base única e exclusivamente em sua localização.

A Constituição Federal e os princípios de livre iniciativa e livre concorrência foram feridos de morte!

Algumas perguntas não querem calar e estou certa de que os leitores também estão se questionando:
- o que garante que o indivíduo alcoolizado que morreu em um acidente na Niterói-Manilha bebeu em uma das churrascarias localizadas na beira da BR101?
- O passageiro que em momento algum irá tomar a direção do veículo e quer tomar uma cerveja durante o almoço deve ser privado de seu direito de consumir um produto QUE NÃO É PROIBIDO pela legislação brasileira?
- E aquele barzinho que fica as margens da estrada, mas tem como público alvo os habitantes da “vilazinha” que fica perto, deve ser obrigado optar por baixar as portas ou vender sacolé e croquete com guaraná?

O Código de Trânsito Brasileiro já regulou a matéria considerando crime conduzir veículo sob a influência de álcool. Não é necessário que mate alguém ou que dirija perigosamente. O simples fato de dirigir alcoolizado já é considerado crime sujeitando o autor a detenção de 6 meses a 3 anos, multa e suspensão da habilitação (artigo 306 CTB). Existem ainda as sanções administrativas, como consideração de infração gravíssima sujeitando a multa, suspensão do direito de dirigir, retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação (art. 165 CTB).

O que permite tantas mortes envolvendo pessoas alcoolizadas é a fiscalização ineficiente e a falta de punição exemplar. A polícia federal não consegue fiscalizar eficientemente o trafego nas rodovias e agora o Governo Federal pretende que esta mesma Polícia fiscalize e multe estabelecimentos legalmente organizados, que pagam seus impostos e que comercializam produtos mediante alvará.
Você pode dizer: mas a Polícia não conseguiria fiscalizar todos os veículos nas estradas. Positivo. Não poderiam. Mas poderiam utilizar dos meios para constatar a efetiva presença de alcool no sangue do condutor e puní-lo exemplarmente. Querem um exemplo? Em 2007 a Polícia Rodoviária Federal adiquiriu 256 etilômetros. O Estado de Minas, até então tinha apenas 3 bafômetros, um número absurdo para o tamanho de sua malha viária.
Se o embriagado fosse realmente punido, conforme previsto no Código de Trânsito Nacional, os demais condutores pensariam 2 vezes antes de pegar no volante depois de tomar aquela cerveja. Isso é o que ocorre em outros países, a meu ver mais sérios que o Brasil, onde o condutor embriagado efetivamente vai preso e pode ficar sem sua habilitação por um longo tempo. Aqui, quando muito, recebem pena de trabalhos comunitários e isso no caso de lesionar alguém.

Querem um exemplo prático para elucidar o absurdo da MP 415? Você, que mora em Niterói e optou por comprar os ingredientes para o jantar de aniversário no Carrefour da Niterói-Manilha, não poderá levar para casa aquele Lambrusco para comemorar. Sabe porque? Porque a MP prevê que qualquer estabelecimento, mesmo supermercados, não poderão vender bebidas que tenham mais 0,5 grau Gay-Lussac de graduação alcoólica. Cá entre nós, acho que vão ter que recolher até mesmo os sucos de Uva del Valle que estiverem mais “velhinhos” na prateleira.

Caso tenham curiosidade de saber a graduação alcoólica das bebidas mais populares consultem a TABELA.

Está se tornando comum a atitude proibitiva das autoridades acerca de produtos sobre os quais elas não conseguem impor uma fiscalização efetiva. Como no caso dos games proibidos, onde diante de uma ineficácia confessa em evitar a venda do produto a menores, o MP, preferiu postular pela PROIBIÇÃO total da sua comercialização. E o que é pior... o Judiciário acatou. Nem as armas de fogo têm sua comercialização proibida, estando apenas sujeitas a legislação especial de controle.

Estamos caminhando para tempos sombrios, onde o Poder Público tende regular a sociedade através de leis que não são de interesse da coletividade.

Quem lucrará com esta medida? Provavelmente os ambulantes que continuarão a infestar as rodovias vendendo águas, sorvetes, cervejas, etc, pois estes não pagam impostos para desenvolver seu comércio e tão pouco tem alvarás de funcionamento e, portanto não serão sequer fiscalizados.

Quem perde? Poderia fazer uma lista, mas vou me limitar aos prejudicados óbvios:


Os supermercados, motéis, bares localizados nas margens das BRs do Brasil que apesar de pagarem seus impostos, terem sua documentação em ordem, serem regularmente constituídas e inscritas no CNPJ, serão tolhidas de desenvolver sua atividade econômica em sua plenitude, vendendo qualquer produto que não seja proibido pela legislação brasileira.

A sociedade brasileira que agora tem que se preocupar também com o intervencionismo infundado do Estado e do Judiciário em sua atividade econômica.