Estado de Santa Catarina condenado a indenizar cidadão destratado por servidor público.

Quem nunca reparou no aviso de “desacato” improvisado que via de regra vemos em toda e qualquer repartição pública? Se você ainda não reparou, meu caro leitor: repare. Em qualquer repartição pública é a primeira coisa que se vê: um cartaz, na maioria das vezes uma simples folha com o artigo 331 do CP:
Art. 331 Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela
Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos ou multa.
Alguém conhece alguma repartição pública que funcione descentemente? Pouquíssimas. O funcionário se sente protegido contra eventual “falta de paciência” dos cidadãos que se revoltam “só” por terem que ficar horas em uma fila. Oras, qual o problema de ser mal atendido depois de ficar horas em uma fila?

Há alguns dias compareci a um posto do INSS e vi uma filha imensa de idosos aguardando atendimento. Atrás de cada atendente, colado na parede, tinha o tal aviso. Sinceramente não sabia quem estava desacatando quem: os velhinhos sentados e pacientemente esperando enquanto “mascavam” a dentadura e os ditos “servidores”, uns falando ao telefone, outros conversando alegremente sobre onde iriam almoçar naquele dia.

O servidor está a serviço do Estado e este deverá ser regido pelos princípios da moralidade, impessoalidade, legalidade e EFICIÊNCIA. Infelizmente as repartições públicas brasileiras não são exemplo de EFICIÊNCIA, e isto meus caros leitores tira qualquer um do sério.

O que poucos leitores sabem é que, o servidor também pode ser responsabilizado pelos danos que causar a contribuinte. O Tribunal de Santa Catarina decidiu neste sentido no caso de Mery Iracema de Oliveira, na Apelação Cível 2007.057033-3.

A 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça catarinense condenou o Estado a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais, devido a tratamento ofensivo em um hospital estadual.

Segundo o processo, Mery foi destratada por uma médica residente quando foi levada pelos Bombeiros ao hospital Estadual ao sofrer grave acidente de trânsito. No registro de ocorrência da Polícia Militar contava que “a médica estava agitada ou incomodada, aparentando que não queria receber a vítima”.

Na primeira instância a indenização foi negada. Mery apelou e o Tribunal decidiu pela condenação do Estado . “A indenização visa atenuar o sofrimento a que foi submetida a autora e punir o Estado pela atuação incompatível com seu preposto, coibindo-se, pela exemplaridade, condutas que comprometam a harmonia social”, afirmou o relator, Desembargador Cesar Abreu.

A CF/88 adotou a responsabilidade objetiva sob a modalidade de risco administrativo. Pode ser atenuada comprovada a culpa parcial/concorrente/exclusiva da vítima, ficando assim excluída a teoria do risco integral. Não entendeu nada? Não é advogado? Vamos sair do juridiquês então.

A responsabilidade civil no direito brasileiro é subjetiva. Quer dizer que, para ter direito a reparação a vítima deverá provar além do dano, a culpa da outra parte – negligência, imperícia ou imprudência. Resumindo, um infeliz bateu no teu carro. Além de comprovar que o teu carro ficou esbagaçado, você deverá provar que: o cara não prestou atenção no sinal (negligência), não sabia dirigir a m** do caminhão (imperícia) ou viu o sinal vermelho, mas atravessou mesmo assim (imprudência),

O dano é simples. Mostra o carro e pronto. Mas e a culpa? Bem, serão necessárias testemunhas para comprovar que o sinal estava fechado, ou que o cara estava ziguezagueando, ou que simplesmente encheu a traseira do teu carro por não manter a distância adequada (neste caso a culpa é presumida).

No caso de dano causado pelo Estado por meio de seus servidores, não há de se cogitar culpa. Assim meu caro leitor, basta que se prove o dano e o nexo de causalidade, ou seja, que o dano foi causado especificamente por aquela conduta do servidor. Pouco importa se ele agiu com culpa ou dolo (intenção de fazer). Isto é responsabilidade OBJETIVA.

Claro que o Estado tem o direito de regresso contra o servidor. É o que diz o artigo 37, § 6º da CF:

Art. 37 (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de
direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, se o servidor agiu com dolo ou culpa, o Estado pode cobrar dele o que teve que pagar a vítima a título de indenizãção.

Resumo da ópera: a responsabilidade do Estado para com o cidadão é OBJETIVA, dispensando a prova de culpa. Já a responsabilidade do funcinário público para com o Estado é SUBJETIVA – para que tenha seu direito de regresso assegurado o Estado deverá provar que o servidor agiu com culpa.

Se for processar alguém por dano causado por funcionário público você poderá escolher entre processar o Estado ou o Agente. Eu processaria o Estado. Apesar de demorar mais, é mais fácil sem ter que comprovar a culpa do servidor. Deixe esta terrível tarefa para o Estado.

Quanto ao escudo do "desacato".... concordo com um comentarista do Conjur:

Armando do Prado (Professor - - ) 22/03/2008 - 17:00
"Desacatar funcionário público, etc", é o cacete. Primeiro respeitem quem paga os seus vencimentos. E aí vale para operadores, agentes políticos e barnabés em geral.

Se a Administração fosse realmente gerida como os empresários normalmente administram suas empresas privadas, a maioria destes "servidores" já teriam levado pé na bunda por falta de produtividade/eficiência.

E você caro leitor, que paga o salário do funcionário público? Também não tem vontade de fazer certos "servidores" engolirem aquele cartaz sem vergonha?