Depressão canina.

Shakira estava sendo maltratada. A vizinha viu tudo e resolveu tomar providências: pediu a guarda na Justiça. Não estou falando da cantora Shakira e sim de uma cadela boxer de propriedade de Paulo Magessi.

Marlene Louveira Cavalcanti da Silva, compadecida da situação do animal que segundo ela estava confinado há quase um ano em uma varanda externa de 12m², recebendo refeições apenas à noite quando via o dono, Marlene entrou na Justiça pedindo a guarda da cachorra, que devido às condições em que vivia acabou entrando em depressão. Depressão canina, vejam só!

Antes que os defensores dos direitos dos animais venham em defesa de Shakira e Marlene, adianto que não sou contra esse tipo de iniciativa, apesar de que se a intenção fosse realmente punir o agressor e providenciar um destino para a cadela, a vizinha deveria ir até a polícia fazer um B.O e denunciar ao Ministério Público para que este tomasse uma providência. Claro que existia um interesse pessoal no animal, uma vez que a vizinha chegou ao ponto de contratar detetive particular e juntar aos autos DVDs e fotos do animal e de suas condições, o que também não pode ser condenado.

O fato é que o Judiciário tão sobrecarregado não deveria se ocupar com este tipo de providência. A falta de um órgão administrativo que detenha autonomia para autuar e apreender animais domésticos que estão sofrendo maus tratos proporciona esse tipo de inconveniência.

De qualquer maneira, as provas juntadas nos autos comprovam que a autora da ação tinha realmente interesse, afetivo ou não, e portanto, se utilizou de um meio legítimo e óbvio para lutar por um bem que lhe interessava: afinal, segundo o código civil animais são bens semoventes e o Judiciário não pode escolher sobre o que decide ou não.

O Juiz Antônio Aurélio Abi-Ramia Duarte, da 7ª Vara Cível do Rio, acolheu os argumentos de Marlene e concedeu liminar para a destituição imediata da posse da boxer Shakira, que foi transferida a Marlene. Segundo o magistrado, "as condições em que o animal é mantido são inadequadas, por várias razões. Inicialmente, o mesmo é colocado em área com espaço reduzido, tendo pouca área de circulação, o que fere minimamente suas condições de sobrevivência. As fotos comprovam a forma como o animal está sendo cuidado, recebendo efeito de toda condição climática, sem local apropriado para suas necessidades fisiológicas."

Um final feliz para a história: pelo menos por enquanto, pois se trata de uma decisão liminar e portanto provisória.

Interessante seria se a grande maioria da população fosse tão consciente quanto Marlene e resolvesse denunciar e tomar a frente em casos que merecem muito mais atenção, como caso de maus-tratos a idosos ou crianças. Existem milhares de crianças vivendo em "condições inadequadas", mantidas em "espaço reduzido e com pouca área de circulação", recebendo efeito de "toda condição climática", recebendo bofetes, espetadas de garfo, queimaduras de pontas de cigarro. Na maioria dos casos os vizinhos sequer denunciam ao conselho tutelar - "não é da minha conta" é um argumento fortíssimo nestes casos.

Pedir guarda de crianças maltratadas? Qual o que?!! Crianças dão muito trabalho, comem demais, crescem e não demonstram fidelidade abnegada, peculiar dos caninos à seus donos. É mais fácil para o brasileiro se compadecer e correr em defesa de um animal maltratado que buscar ajuda para uma criança obrigada a pedir esmolas em um sinal ou para um idoso que recebe petelecos pelo simples fato de ainda estar vivo, quando todos já contavam que ele estivesse morto.

O brasileiro tem uma estranha noção de responsabilidade social.