Assaltos, bambolês, buracos e... Urubus!


Tenho certeza que você leitor já ouviu as palavrinhas mágicas que eximem qualquer pessoa, jurídica ou física do dever de indenizar (responsabilidade civil): caso fortuito e força maior. As duas expressões andam de mãos dadas a tal ponto que não é difícil encontrar advogados que ainda não saibam bem a diferença entre uma e outra - até mesmo porque nosso Código Civil traz as duas expressões em um mesmo artigo. Vamos à definição?

FORÇA MAIOR: Obstáculo ao cumprimento de obrigação, por motivo de um fato em face do qual é de todo impotente qualquer pessoa para removerem. Geralmente ligado a fato da natureza
CASO FORTUITO: Obstáculo ao cumprimento de uma obrigação por motivo alheio a quem devia cumpri-lo.
Assim, a diferença entre os dois, ambos imprevisíveis, é a irresistibilidade pelo homem. Havendo possibilidade de ser o obstáculo removível, há caso fortuito, por outra forma sendo irresistível há força maior. O raio que cai é força maior.

Pode parecer sem importância, mas essa é a tese principal das empresas em geral para sair fora da responsabilidade civil em casos de acidente, baseada no artigo 393 do Código Civil. Vamos à alguns casos recentemente decididos pelo STJ, que servem de direcional para o posicionamento dos demais Tribunais do país.

Um motorista está dirigindo em condições normais quando um raio atinge o ônibus que vem a bater em outro veículo. Fácil: FORÇA MAIOR. Ninguém poderia evitar o raio e portanto a pobre
empresa de ônibus não poderá ser obrigada a ressarcir o dono do veículo danificado. Vale lembrar que a força maior exclui inclusive a responsabilidade civil objetiva. Claro que a empresa deverá comprovar por A mais B que a batida foi causada unica e exclusivamente pelo raio.

Um caso curioso aconteceu no Rio de Janeiro. Uma menina se acidentou com um bambolê no pátio da escola onde estudava e perdeu a visão do olho direito. A tese da empresa foi, como não é difícil de se imaginar, caso fortuito: o fato do bambolê se partir e atingir o olho da garota não era previsível e portanto foi uma fatalidade. O STJ entendeu que a escola deveria sim indenizar a família da aluna pois o acidente ocorreu devido a falha na prestação de serviços.

Vamos a um caso mais interessante e que deve interessar os moradores do Rio: assalto à mão armada em ônibus? Tese mais utilizada de defesa pela empresa: caso fortuito. Curiosamente para o STJ se trata realmente de caso fortuito. As razões de tal posicionamento: é um fato inesperado e inevitável que não faz parte da atividade fim do serviço de condução de passageiros (????).

Você quer ver como a Justiça no Brasil é curiosa, leitor? Assalto em ônibus não deve ser indenizado porque se trata de caso fortuito. Já assalto dentro de agência bancária, segundo o mesmo STJ, DEVE ser indenizado pois zelar pela segurança dos clientes é algo inerente à atividade fim de uma instituição financeira (hãm? - achei que fosse emprestar dinheiro!!!). Qual a conclusão a que se chega usando simples lógica? Que empresa de ônibus não é obrigada a zelar pela segurança de seus passageiros, enquanto a instituição financeira tem! A atividade fim da empresa de ônibus não é garantir a segurança do passageiro, já a da instituição financeira É!!?? Se você não entendeu não fique preocupado: eu também NÃO ENTENDI!!!

Vamos a outro caso que é de interesse geral. Vivemos em um pais onde rodovias e ruas geralmente não são a primeira preocupação do poder público - muito mais preocupado em arrecadar impostos e encher os bolsos dos representantes do povo. Buraco em via pública: CASO FORTUITO? Absolutamente. A municipalidade é responsável por buraco em uma rua qualquer pois é prova da omissão do Poder Público. Vamos complicar e misturar com elementos da natureza? Um buraco causado pela chuva em uma via pública matou uma criança. Tese de defesa? Caso fortuito e força maior! Caso semelhante foi julgado pelo STJ que decidiu haver sim omissão do Poder Público, pois mesmo que o buraco tenha sido causado por fator da natureza, o município não teria tomado as medidas de segurança necessárias para isolar a área afetada ou mesmo para consertar a erosão fluvial a tempo de evitar uma tragédia.

Tenho certeza que você está esperando o urubu. Em uma ação de indenização por atraso de vôo contra uma companhia aérea você pode imaginar qual foi a tese de defesa (ah esses maravilhosos advogados..)? Um urubu! Sim senhor, um urubu teria sido tragado pela turbina de um avião durante o voo causando o atraso da aeronave. A aeronave não caiu mas se atrasou, oras (brilhante!). O STJ considerou que acidentes entre aeronaves e urubus já se tornaram fatos corriqueiros no Brasil, derrubando a tese do fato imprevisível. Resultado: a companhia aérea foi obrigada a indenizar o passageiro. Falta alguém lembrar o STJ que atrasos de voo, mais que acidentes com urubus, são mais do que esperados nos aeroportos brasileiros: são certeza!

A que conclusão chegamos? Que não existe uma lógica muito convincente quando o assunto envolve responsabilidade civil, caso fortuito/força maior e STJ. Dependendo do lado em que você está, o máximo que poderá fazer é esperar e torcer para que a sua sentença seja favorável. Se for para ser assaltado, torçapara estar dentro de um banco e não sentado em um banco... de ônibus.